Neurocientistas do setor de Saúde da Universidade Duke desenvolveram uma interface de cérebro-máquina (ICM) que permite que os primatas usem apenas os seus pensamentos para conduzir uma cadeira de rodas robótica.
A ICM utiliza sinais de centenas de neurônios registrados simultaneamente em duas regiões dos cérebros dos macacos que estão envolvidas com movimento e sensação. Quando os animais pensam em se moverem para alcançar seus objetivos -- neste caso, uma tigela contendo uvas frescas -- computadores traduzem as suas atividades cerebrais para a operação da cadeira de rodas em tempo real.
Segundo o autor principal da pesquisa and co-diretor do Centro de Neuroengenharia da Universidade Duke, Miguel Nicolelis, M.D., Ph.D., a interface descrita na edição de 3 de março da revista Scientific Reports demonstra um futuro promissor para pessoas com deficiências que perderam a maior parte do controle muscular e da mobilidade devido à quadriplegia ou esclerose lateral amiotrófica (ELA).
“Até o ato de piscar é impossível para algumas pessoas com deficiências graves”, disse Nicolelis. “Para essas pessoas, usar uma cadeira de rodas ou um dispositivo controlado de maneira não invasiva, como o eletroencefalograma (EEG – um dispositivo que monitora as ondas cerebrais através de eletrodos colocados no couro cabeludo), pode não ser suficiente. Nós mostramos claramente que implantes intracranianos são capazes de controlar melhor uma cadeira de rodas do que dispositivos não invasivos.”
Os cientistas começaram os experimentos em 2012, implantando centenas de microfilamentos com o diâmetro de um fio de cabelo nas regiões pré-motora e somato-sensorial do cérebro de dois macacos rhesus. Eles treinaram os animais para conduzir passivamente a cadeira em direção a seus objetivos, ou seja, a tigela contendo as uvas. Durante esta fase de treinamento, os cientistas registraram a atividade elétrica cerebral dos primatas em larga escala. O passo seguinte foi programar um sistema de computador para traduzir os sinais cerebrais em comandos motores digitais que controlassem os movimentos da cadeira de rodas.
À medida em que os macacos aprendiam a controlar a cadeira de rodas usando apenas seus pensamentos, eles se tornaram mais eficientes na navegação até as uvas e completavam os testes mais rapidamente, disse Nicolelis.
Além de observar os sinais cerebrais correspondentes aos movimentos de translação e rotação, a equipe da Universidade Duke também descobriu que os cérebros dos primatas exibiam sinais correspondentes à previsão da distância para alcançar a tigela de uvas.
“Este sinal não estava presente no início do treinamento, mas foi algo que surgiu como um efeito da maior eficiência dos macacos em cumprir essa tarefas”, disse Nicolelis. “Isso foi uma surpresa. Demonstra uma enorme flexibilidade do cérebro em assimilar um dispositivo, neste caso uma cadeira de rodas, e as relações espaciais deste dispositivo com o mundo ao seu redor.”
Esse estudo mediu a atividade de cerca de 300 neurônios em cada um dos dois macacos. O laboratório de Nicolelis (The Nicolelis lab) já havia relatado a capacidade de registrar até 2.000 neurônios usando a mesma técnica. Segundo ele, a equipe espera agora expandir o experimento, registrando mais sinais neuronais de modo a aumentar a precisão e a fidelidade da ICM em primatas, antes de planejar testes com um implante cerebral em humanos.
Além de Nicolelis, Sankaranarayani Rajangam’ Po-He Tseng, Allen Yin, Gary Lehew, David Schwarz, e Mikhail A. Lebedev também são autores do estudo.
Este estudo foi financiado pelo National Institutes of Health (DP1MH099903). O Banco Itaú do Brasil forneceu apoio científico para esta pesquisa através do Projeto Andar de Novo, um consórcio internacional sem fins lucrativos que visa o desenvolvimento de novas tecnologias de apoio para pacientes com paralisia grave. Os autores declararam que não há interesses financeiros concorrentes.